Sair da minha igreja foi, antes de tudo, um ato de amor (próprio). Minhas lembranças enquanto membro de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos dias



Imagine a seguinte rotina: domingo após domingo, você se levanta cedo, bem cedo. Se veste correndo, veste seus filhos. Arruma as bolsas, pega o lanche das crianças e sai sem tomar seu café da manhã. Pega seu ônibus e vai para sua igreja como muitos brasileiros. Tudo normal até aí. Em qualquer lugar do mundo, há uma ideia dominante que diz: se um indivíduo vai para sua igreja é para ter paz, "recarregar as baterias espirituais", sentir-se melhor. E assim foi comigo no início do mormonismo. Tudo ia em paz. Porém, há um momento (e esse momento chega pra todo mundo na religião Mórmon) em que se vira uma chave. O Modus operandi passa ser a cobrança. Há uma sensação tangível de que você nunca é bom o suficiente no mormonismo. Uma voz que grita sempre na sua mente "você precisa melhorar". O "melhorar" é visitar mais, entrevistar mais, servir mais, ir mais ao templo, fazer mais a história da família, ler mais, orar mais, sempre e sempre mais. Seu lazer, sua família, seu descanso podem esperar. Sabe aquelas empresas que colocam metas altíssimas que nenhum funcionário consegue alcançar? Era exatamente assim.

Lembro do dia em que abandonei o mormonismo e tive uma sensação muito real de alívio físico. Um peso saiu das minhas costas. Lembrei-me também de uma amiga querida que entrou para o mormonismo, mas gostava de praticar esporte aos domingos, o que prejudicava a frequência integral à nova religião. Lembro de estar em uma reunião chamada Reunião de Conselho da Ala, onde a Presidente da Sociedade de Socorro (líder das mulheres da igreja) verbalizou: "precisamos dar um jeito nela". É assim. Você não pode faltar. Você não pode chegar atrasado. Você não pode deixar furos. E principalmente, você não pode questionar. Nada! Os domingos passam a ser cansativos. Você não tem prazer nenhum em estar naquele lugar. Sai pior do que quando chegou. Qualquer pessoa com o mínimo de humanidade sente desconforto em estar nesse ambiente: muito preconceito, muita incoerência, muita desinformação. O que dá pra fazer é, por vezes, levantar e ir tomar uma água. O famoso "fazer uma hora no corredor".

Também lembro-me de conversar com um importante líder no mormonismo que me confessou em particular que algumas vezes, deixava de ir a igreja cumprir suas "obrigações" para ver filmes/séries por medo de infartar. Tamanha cobrança existente neste ambiente religioso. Há muito pouco de religiosidade/espiritualidade nas reuniões dominicais Mórmon. Pronto! Deu meio dia! Hora de ir pra casa! Mas, você está tão pesado com tudo, que precisa dar vazão. Então, o assunto do seu almoço de domingo e da sua tarde de domingo passa a ser as pessoas do mormonismo. Vc entra no jogo: critica e é criticado. Um tomando conta da vida do outro. Atento a qualquer passo em direção contrária que a pessoa possa vir a tomar. Com a desculpa do "cuidado" vc é entrevistado a portas fechadas constantemente. Pelo menos uma vez por mês vc recebe pessoas na sua casa para perguntarem sobre sua vida (e gerarem um relatório a partir dessa visita). Lembro também que era nessas visitas que eu tentava deixar minha casa o mais bem arrumada possível, pq sabia, enquanto líder que fui em outro momento, dos comentários sobre o que se via nessas visitas. Tudo muito tóxico. Não sei como essas coisas funcionam em outras religiões, não tenho como falar. Mas, no mormonismo presenciei pessoas desenvolvendo traumas, depressão, ansiedade por simplesmente querer viver a religião como se pede. Por isso, em um país onde religião é tida frequentemente como algo positivo, abandonar a minha foi, antes de tudo, um ato de amor próprio.

Me chamo Silvia Niza Terra, fui membro da igreja Mórmon por 18 anos, tendo me filiado no ano de 2002. Nessa igreja desenvolvi os cargos de Conselheira das Moças, secretária e presidente da Primária, conselheira da Sociedade de Socorro da ala e Estaca, professora do Seminário.



Minhas lembranças enquanto membro de A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos dias

Imagine a seguinte rotina: domingo após domingo, você se levanta cedo, bem cedo. Se veste correndo, veste seus filhos. Arruma as bolsas, pega o lanche das crianças e sai sem tomar seu café da manhã. Pega seu ônibus e vai para sua igreja como muitos brasileiros. Tudo normal até aí. Em qualquer lugar do mundo, há uma ideia dominante que diz: se um indivíduo vai para sua igreja é para ter paz, "recarregar as baterias espirituais", sentir-se melhor. E assim foi comigo no início do mormonismo. Tudo ia em paz. Porém, há um momento (e esse momento chega pra todo mundo na religião Mórmon) em que se vira uma chave. O Modus operandi passa ser a cobrança. Há uma sensação tangível de que você nunca é bom o suficiente no mormonismo. Uma voz que grita sempre na sua mente "você precisa melhorar". O "melhorar" é visitar mais, entrevistar mais, servir mais, ir mais ao templo, fazer mais a história da família, ler mais, orar mais, sempre e sempre mais. Seu lazer, sua família, seu descanso podem esperar. Sabe aquelas empresas que colocam metas altíssimas que nenhum funcionário consegue alcançar? Era exatamente assim.

Lembro do dia em que abandonei o mormonismo e tive uma sensação muito real de alívio físico. Um peso saiu das minhas costas. Lembrei-me também de uma amiga querida que entrou para o mormonismo, mas gostava de praticar esporte aos domingos, o que prejudicava a frequência integral à nova religião. Lembro de estar em uma reunião chamada Reunião de Conselho da Ala, onde a Presidente da Sociedade de Socorro (líder das mulheres da igreja) verbalizou: "precisamos dar um jeito nela". É assim. Você não pode faltar. Você não pode chegar atrasado. Você não pode deixar furos. E principalmente, você não pode questionar. Nada! Os domingos passam a ser cansativos. Você não tem prazer nenhum em estar naquele lugar. Sai pior do que quando chegou. Qualquer pessoa com o mínimo de humanidade sente desconforto em estar nesse ambiente: muito preconceito, muita incoerência, muita desinformação. O que dá pra fazer é, por vezes, levantar e ir tomar uma água. O famoso "fazer uma hora no corredor".

Também lembro-me de conversar com um importante líder no mormonismo que me confessou em particular que algumas vezes, deixava de ir a igreja cumprir suas "obrigações" para ver filmes/séries por medo de infartar. Tamanha cobrança existente neste ambiente religioso. Há muito pouco de religiosidade/espiritualidade nas reuniões dominicais Mórmon. Pronto! Deu meio dia! Hora de ir pra casa! Mas, você está tão pesado com tudo, que precisa dar vazão. Então, o assunto do seu almoço de domingo e da sua tarde de domingo passa a ser as pessoas do mormonismo. Vc entra no jogo: critica e é criticado. Um tomando conta da vida do outro. Atento a qualquer passo em direção contrária que a pessoa possa vir a tomar. Com a desculpa do "cuidado" vc é entrevistado a portas fechadas constantemente. Pelo menos uma vez por mês vc recebe pessoas na sua casa para perguntarem sobre sua vida (e gerarem um relatório a partir dessa visita). Lembro também que era nessas visitas que eu tentava deixar minha casa o mais bem arrumada possível, pq sabia, enquanto líder que fui em outro momento, dos comentários sobre o que se via nessas visitas. Tudo muito tóxico. Não sei como essas coisas funcionam em outras religiões, não tenho como falar. Mas, no mormonismo presenciei pessoas desenvolvendo traumas, depressão, ansiedade por simplesmente querer viver a religião como se pede. Por isso, em um país onde religião é tida frequentemente como algo positivo, abandonar a minha foi, antes de tudo, um ato de amor próprio.

Me chamo Silvia Niza Terra, fui membro da igreja Mórmon por 18 anos, tendo me filiado no ano de 2002. Nessa igreja desenvolvi os cargos de Conselheira das Moças, secretária e presidePrimária, conselheira da Sociedade de Socorro da ante da la e Estaca, professora do Seminário.

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