Por que eu saí da igreja? Reflexões acerca da minha desassociação da seita Mórmon


Certa vez eu ouvi a seguinte frase: “O melhor é nunca entrar em uma seita, pois sair dela é extremamente difícil!”, concordo plenamente com essa frase, a partir da minha experiência na seita Santos dos Últimos Dias. Eles vão usar de inúmeras estratégias para você nunca cogitar sair dessa religião, ou então, se você quiser sair, lançarão mão de recursos “baixos”, onde os membros serão acionados para tal impedimento.
Como já escrevi em outros momentos, quando você adentra no Mormonismo, há toda uma fase de encantamento: pela simpatia dos missionários, pelas novas amizades, o sentimento de acolhimento, um novo e mais elevado estilo de vida e as inúmeras promessas espirituais. Passada essa fase, onde você é poupado de críticas e exigências, vem o que eu chamo de “virada de chave”: você já não é tão querido assim, seus problemas não são compreendidos tão bem, agora você precisa servir e fazer a igreja mórmon acontecer! Isso inclui, faxinar a capela, preparar aulas e exposições, entrevistar e “cuidar” dos que estão entrando, organizar eventos, etc. Todo mundo que tem alguns anos de igreja passa por isso, eu passei. Agora, qualquer vacilo seu é motivo de comentários de reprovação. Suas redes sociais são inspecionadas. Seu nome é falado sem cuidado ou consideração em reuniões de liderança.
Fora isso, você é obrigado a tolerar seus “irmãos”. Pessoas que você não gosta, não suporta, mas que, muita das vezes, são escaladas para te fazer visita, para ser sua conselheira, para te entrevistar, para te dar aula. Pessoas que podem ser extremamente chatas, preconceituosas, que tem discursos de ódio na ponta da língua, racistas, homofóbicas e por aí vai. Esses são seus irmãos. Se você não os ama, o problema está com você, que não entendeu nada do amor de Cristo. Nesse contexto, passei a observar as coisas e ter pensamento proibidos: Como pode ser essa igreja de Deus, a única verdadeira na Terra e ter tanta coisa errada acontecendo. Ficava secretamente feliz por quem conseguia sair de cabeça erguida e genuinamente triste por quem se batizava.
Há uma cerimônia da igreja Mórmon chamada "Bênção Patriarcal”. Algo que é dito, através de um homem – o patriarca – diretamente de “Deus”. Ele coloca as mãos na tua cabeça e lhe confere “dizeres celestiais”. Algo que estava escrito na minha, sempre me chamou atenção, dizia que eu não teria para onde ir, senão a igreja de Jesus Cristo dos santos dos Últimos Dias. Somado a isso, você verbaliza e ouve testemunhos mensais no microfone, sobre ser essa a única igreja verdadeira. Além de algo conhecido como “Plano de Salvação” que diz bem claramente, que pessoas que passaram pelo mormonismo e posteriormente, o rejeitaram, estariam em situação de inferno, “trevas exteriores”. Doutrinação pesada. Nesse sentido, nunca, nunca pensei em sair daquilo. Nunca, em 18 anos, cogitei essa opção. Afinal, eu estaria condenada e desnorteada, se abandonasse minha igreja.
Porém, havia duas coisas a meu favor: ter transitado em ambientes com diversidade durante boa parte da minha vida e a outra coisa, ter sido mãe. Quando se pertence a uma seita, você acaba aceitando essa vida de controle, mas eu nunca quis que meus filhos passassem por isso. Ser mãe exigiu de mim uma ação. Eu precisava agir! E em um contexto de isolamento social, extremamente triste pelo assédio para continuar trabalhando, inclusive aos feriados de modo on-line para a seita, ensinando coisas que não acreditava mais, sendo inclusive reprovada por amigas próximas, por não reproduzir em casa reuniões sacramentais Mórmons nos domingos de pandemia. Não poder relaxar e viver aquele medo de incertezas que o mundo todo vivia. Chamei meu marido para conversar e consegui verbalizar a frase que mudou minha vida: “E se a gente sair da igreja para finalmente ter paz?”. Juntos, meu marido, que pertencia a seita Mórmon desde os 6 anos, e eu tomamos a decisão de sair. Nunca vou me esquecer da primeira caminhada que demos, de roupas normais em uma manhã de domingo. Como eu estava leve. Não vou me esquecer da sensação de desaparecimento das muitas cobranças e sentimento de inapropriação que acompanha constantemente alguém que é mórmon. Tudo aquilo saiu de mim e eu me senti na hora uma pessoa melhor.
Eu já não era melhor do que ninguém. Já não precisava conviver com pessoas que eu não gostava e nem viver a ambiguidade de ter meus valores, personalidade e performar uma mulher mórmon aos domingos. Mas, a Igreja de Jesus Cristo Cristo é uma seita de controle mental, não é fácil sair dela. Tive que recorrer a ajuda de psicólogos e muito apoio de amigos e familiares para tirar de mim aquele sentimento que iria ser condenada, perder meus filhos na eternidade, essas coisas. Também precisamos de apoio jurídico para frear as investidas da liderança da igreja, mesmo em isolamento social. Eles passavam de carro na porta da nossa casa, recebemos ligação de pessoas importantes, do alto escalão mórmon, inúmeras mensagens desrespeitando e deslegitimando nossa decisão. Tudo isso apenas parou quando chegou até eles um documento pedindo nossa desassociação e consequentemente, o fim do assédio.
Hoje ainda, ao tomar a decisão de escrever esses textos, recebo comentários dizendo que estou ressentida, magoada. Sei, no entanto, que se trata de uma estratégia para descredibilizar minhas palavras. Uma vez que um discurso é emocionado, ele foge à razão. Não caio nessa. Outra estratégia é ferir a honra da pessoa que saiu. Como tive uma vida exemplar dentro do mormonismo, eles não podem utilizar o quesito da “fraqueza”, “largou a barra de ferro”. Simplesmente, não conseguem entender que alguém possa sair por ser honesto consigo e não acreditar mais em coisas, convenhamos, muito estranhas. Saí de cabeça erguida, tendo amigos na igreja até hoje. E posso sim, refletir e alertar pessoas que porventura venham a mexer com religiões de controle mental, como a que passei.
Obs. 1 – Ter a oportunidade de estudar e ter transitado em meios diferentes aos da cultura Mórmon, para além do acesso ao conhecimento e consequentemente, ter uma visão questionadora e não conformista, possibilitou-me conviver com pessoas “não-crentes”, mas cheia de humanidade. Entendi que a humanidade, não está na caridade tão somente. Mas, em ter uma visão generosa das pessoas e esperar um mundo melhor e mais digno para todos. Algo completamente incompatível com a expectativa da “salvação” de apenas meia dúzia.
Obs. 2 – Uma decepção sobre a Bênção Patriarcal, algo tão sagrado dentro do mormonismo, foi quebrar o protocolo e ler a do meu marido (ninguém deve ver sua bênção patriarcal, algo secreto e individual) e ler trechos idênticos ao que estava escrito no meu documento rs. Como se houvesse um script de como Deus fala com seus filhos.

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