As mulheres SUD progressistas



Existe uma parcela de mulheres dentre o público Mórmon, que chamo de “Mulheres Progressistas”. Elas são extremamente críticas à igreja, são politizadas, conscientes de causas humanas e principalmente, ao que tange pautas importantes, como o movimento LGBTQIAP+, racismo, machismo e direitos humanos. Posso dizer, “sem sombra de dúvidas” que eu era uma delas. Era Mórmon, mas estava em palestras, eventos culturais, manifestações, debates, lia e sabia muito sobre o campo progressista. Vivia meu próprio paradoxo. Pois, essa mulher tão atuante que eu era, chegava aos domingo, vestia uma saia comportada, blusa de manguinha e me silenciava frente a tanta homofobia, machismo e racismo.

Não estava só. Existia uma minoria como eu. Éramos poucas. Nos reconhecíamos através de pautas comuns. Lembro de certa vez, estar em uma ala nova e reconhecer uma companheira. Parecia um alívio para nós duas estarmos ali, conversando, afirmando como era tóxico aquele ambiente. Que o problema não era a gente, como querem nos fazer acreditar, mas a cultura mórmon, que é quase esmagadora, frente a qualquer pensamento divergente. Porém, nossa conduta era secreta. Falávamos por WhatsApp após as reuniões: “Você viu que absurdo foi dito na aula de hoje”, “Você percebeu como é escroto o que fulano falou”. Mas, dentro do mormonismo somos mudas, somos tidas como problemáticas, muita das vezes não seremos chamadas para cargos altos, pois não somos pacíficas. Somos leoas na internet, mas silenciadas dominicalmente.

Domingo após domingos, vamos sofrendo caladas. Deprimidas por pertencer a um ambiente tão preconceituoso. Criamos justificativas para continuarmos ali dentro: “Estou aqui por causa de Deus”. Acreditamos ser uma verdade, que A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias é o caminho onde devemos estar a vida inteira e criar nossos filhos. Nos apoiamos em outras irmãs que são parecidas conosco. Vivemos uma vida dupla: sermos mulheres tão fortes e ao mesmo tempo, nos submetermos a uma doutrina que nos rebaixa. Que diz que devemos casar para entrar na presença de Deus e depois de casadas, que possamos ser submissas aos nossos maridos. Afirmamos que Deus chamou profetas racistas e que Ele tinha lá seus motivos para agir assim. Que os gays, sim, esses que defendemos tão veementemente, deverão viver o celibato mórmon ou senão, para eles só restam as trevas exteriores. Não há “pano” que consiga limpar uma história com tanta sujeira.

Lembro da decepção, quando fui contar para uma amiga, tão feminista quanto eu, sobre minha decisão de sair da igreja. Para minha surpresa, essa mesma amiga que conversava semanalmente comigo sobre as angústias de viver o mormonismo, virou-me as costas. Disse, que minha salvação dependia de estar naquele lugar e ainda citou algumas escrituras do Livro de Mórmon. É aquilo, você pode criticar a igreja, mas nunca, nunca sair dela. Sair dela é quebrar o pacto. Não é fácil sair da igreja, sem prejuízos. Pessoas viram as costas pra você, te difamam, te insultam, te desrespeitam. É quase tangível a energia que você sente no olhar, nas palavras. É preciso catar seus cacos e seguir em frente, tentando dar sentido a nova vida que lhe é apresentada/conquistada. Mas, é incrível! E pela primeira vez, você se sente em paz consigo. Sente que seu caráter está alinhado ao seu modo de ver a vida. Nesse sentido, sair da igreja é uma revolução.

Minha dualidade, meu paradoxo, durou 18 anos. No começo, era confortável ser Mórmon. Sentia orgulho. Com o conhecimento de mundo, vem o desconforto. Costumo dizer que para sermos felizes completamente em uma religião como o Mormonismo, devemos ser um pouco ignorantes. Ignorante no sentido de não buscar muito. Pois, pode ser um caminho sem volta para aqueles que pensam e refletem sobre essa dualidade. Até que chegou o ponto que ficou insustentável minha permanência: “Ainda que eu vá para o inferno, não consigo mais viver nesse lugar”. Nunca tive tanta coragem, pois quebrar com expectativa de tantas pessoas sobre a “Silvinha, excelente presidente da Primária” foi muito difícil. E sim, eu poderia sair quieta. Mas, lembra-se que eu sempre fui um pouco revolucionária kkk… Agora não seria diferente! E para aquelas como eu, digo: Ei, mulher, saia desse lugar! Ele não combina com você!

Comentários

  1. Realmente, é preciso ser um pouco ignorante, pois depois que conhecemos a história, fica difícil exercer aquela fé cega que nos é exigida. Difícil é saber que caminho seguir, pois baseamos nossa vida nos ensinamentos da igreja.

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